Vivemos à margem, nas margens...

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Este é o pedaço de território onde queremos partilhar as nossas aventuras ao longo do comprido rio que temos vindo a seguir. Dois olhares diferentes, duas vistas distintas, mas sempre guiadas pelo mesmo farol...

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Heroína sem patente

Às vezes chego ao final do dia e penso como sobrevivi.
Depois chego a casa, deito-me, abro o peito e espreito.
Rasgões, úlceras, cicatrizes mal feitas, feridas abertas.
Levanto a máscara da cara, vejo as rugas e a palidez, e volto a colocá-la.
Tiro os olhos, vejo as lágrimas acumuladas.
Tiro a roupa, vejo o suor, as nódoas negras e os hematomas.
Paro de respirar, as dores nas vias respiratórias cessam.
Rasgo o cérebro, sinto o silêncio. Volto a pô-lo. O ruído interno regressa imediatamente.
Tiro as luvas das mãos e vejo as calosidades.
Estudo a curvatura da coluna , mas não vejo para lá da corcunda e dos músculos sobre tensão.
Olho para os meus pés, estão planos de carregar três vezes o meu peso.
Olho à volta e vejo-me sozinha.
Peço ajuda, mas não me ouvem.
Peço reconhecimento, mas não me dão.
Olho para os projectos afixados no coração e não posso apagar nenhum. Escrevo mais alguns, mas numa caligrafia errante e desajeitada.
Penso nos olhos de quem me Ama e só vejo vazio.
Espreito a minha expressão no espelho, e não encontro ninguém.
Escuto atentamente lá fora, não ouço nada.

...
Depois vejo as horas, volto a pôr tudo no sítio e levanto-me, arrastando os pés.
...

Nesses dias, durante cinco segundos sinto que sou a melhor pessoa do Mundo - uma heroína. Não salvo vidas, nem apago fogos, mas sobrevivo a esta rotina todos os dias e no outro dia levanto-me para voltar a sofrê-la. 

"É a primeira vez que a vejo sem aquele seu brilho característico", disseram-me. Parece que esta rotina heróica começa a dar sinais de fadiga. É mais uma coisa boa que perco. Das poucas que restam.

Até amanhã.




2 comentários:

cegonhagarajau disse...

Infelizmente, como te compreendo!
Mas há dias menos maus, mas há pessoas que te acompanham e te querem bem, o que ajuda certamente a suportar o resto.
Quando isso não bastar, é porque é mesmo preciso mudar o rumo, a bem da sanidade mental.
Abraço ilhéu.

A.G. disse...

Cegonhagarajeu, obrigada pelas palavras e pelo abraço :) Beijinhos